terça-feira, 7 de abril de 2009

Figaro



Um certo dia ,José Pi, empregado do meu pai pediu-me que cortasse seu cabelo. O cabelo parecia aqueles cupinzeiros, de barro, que encontramos nos campos. Ele trouxe-me um pequeno pente duplo e de formato triangular, que com o acondicionamento três lâminas em seu interior, permitia executar um corte de cabelo. Duas lâminas para um lado na parte maior do triângulo , com os dentes mais salientes, poupava mais cabelo. Apresentava, em extremo , contraposto uma só lâmina, com dentes menores, que permitia um corte mais curto. A ação de pentear o cabelo realizava o corte. Parecia algo extremamente simples. Parecia, só isso .

José Pi, explicou-me o mecanismo de funcionamento do tal instrumento e pediu-me que fizesse o corte do seu cabelo .A princípio fiquei relutante ,pois jamais tinha realizado tal trabalho antes e muito menos com um pente “mágico” Ele disse que era moleza, que não me preocupasse pois não tinha como errar. Bem, com tal encorajamento e com a minha curiosidade natural com o inusitado, desferi os meus primeiros golpes certeiros contra aquilo que ele ostentava com orgulho e que chamava cabeleira, enquanto cantarolava Puccini : Figaro...figaro ! .O cabelo era grosso e de um crespo pequeno que o deixava armado e volumoso .As lâminas eram novas e mergulharam naquele cabelo, como uma esquiladeira elétrica num merino australiano ,em época de tosa; me contive sobressaltado e pensei em corrigir o infortunado golpe anterior ,desferindo um novo talho na tentativa de acertar o estrago anterior , foi pior. Tentei mais dois desbastes, pior ainda. Ia piorando a proporção que eu tentava arrumar. Ficaram algumas crateras na parte posterior da cabeça, que ele não tinha como visualizar. E agora o que fazer ? Daquele jeito não podia ficar então diminui um pouco a pressão do pente na tosa e foi cada vez mais ficando grave a profundidade de penetração das lâminas a cada tentativa de correção. Mas aquela altura não podia desistir, empunhei aquele pente ,como quem tosa a martelo. Cantarolando Figaro: Figaro qua...figaro lá...FigaroooooÔÔÔÔ... Figaroôôôô...FigaroÔÔÔÔÔÔ!!! ! E, tirando um pouco aqui, um pouco ali ,terminei a esquila. Uma obra prima ,para meus olhos de aprendiz e para minha primeira tosquia .

O vivente levantou-se e eu disse-lhe : é ,para minha primeira vez, não ficou muito bem ,ficou ótimo, ficou bem mais leve !

- O que é que você quer dizer com mais leve ?

E foi correndo p`ro banheiro ,admirar minha obra prima. Só faltou minha rubrica na base, disse-lhe.

Quando, o José Pi, ali diante daquele espelho, viu a transfiguração, o resultado da tal esquila ;entrou em parafuso, pânico ,surtou...de vez.

- Moço, moço, o que é que você fez no meu cabelo, moço ??? Interrogou-me indignado, num desespero perplexo e inconformado .

Você acabou meu cabelo, moço ! E agora o que é que eu vou fazer ?Juntava ,do chão, aqueles nacos de cabelo recém-tosquiado ,olhando com um sentimento de quem perdera algo raro e precioso. E eu tentava fazê-lo compreender que cresceria novamente.

- Não tem problema ,tentei lhe acalmar, é só lavar que depois de algum tempo, volta ao normal.

Ele ,contrariadissimo , puxava, alisava, penteava aquele cabelo numa tentativa patética de reverter o corte que o deixava triste e pesaroso. Acho que ,desesperado cai melhor, para descrever tal cena.

Saindo dali ,ele olha a todos com uma desconfiança hostil .Sentia-se visto por todos, parecia que era alvo de todas as atenções .No ponto do ônibus, uma moça o olhou, com um olhar ,um pouco ,mais longo e ele já disparou .

- O que é que você tá vendo ??? Quer alguma coisa ???

Acho que tão cedo ele não pediu que alguém cortasse o seu cabelo. E quanto a mim, e também com aquela lição , vi que, decididamente ,a esquila não era a profissão ideal que eu poderia aprender .

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