quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Filme A Partida





Nos  nossos dias, a morte e o”Ritual da partida” foi substituído por um “cerimonial da partida”. Pois enquanto  ritual engloba  o fundo e a forma,os princípios e  passagem ,O CERIMONIAL não é mais do que um protocolo social, que visa exteriorizar para sociedade a “finalização” daquele extinto.Contrariando,muitas vezes suas religiões e crenças que atribuem uma vida após a morte,que essa seria uma mera “passagem”.E nas despedidas geralmente existe um misto de alegria e lágrimas,pois sempre resta a esperança do reencontro.

Os "CERIMONIAIS" são protocolos a cargo de casas mortuárias e muitas vezes de pessoas de pouco trato, simplesmente  “jogam”em um caixão um corpo, que é destinado a se decompor,não pesando sobre esses nenhum sentimento de perda ou  afetuosidade, seja familiar ou como um ser humano,da sua própria espécie que “parte”...Até mesmo  no Ritual de nascimento,embora também já não tenha os encantos e as expectativas que antes existiam,desde a surpresa de que sexo  esse teria e os contentamentos e festejos se estendiam...Hoje, o ultra-som já determina isso e até mesmo suprime a surpresa e  em resumo,também está convertido em um cerimonial...
Não deixem de assistir a esse filme e procurem extrair além das entrelinha do sentido oculto dos ritos mortuários.
 Morrer é morrer?? ?


O filme A Partida, de Yojiro Takita, (Oscar 2009).trata desse limite estreito e incompreendido entre a vida e a morte.


 O filme conta a história de um jovem violoncelista que após a dissolução da orquestra que participava,retorna de Tóquio para a sua cidade natal, no interior do Japão. Lá,em sua cidade de origem e sem muitas  perspectivas de empregos,ele atende a uma oferta de emprego num anúncio de jornal,que dizia:Ajudando a Partir, e  aceita trabalhar no que pensava ser uma agência de viagem, mas se trata de uma agência funerária e ele irá ser o  Noukan –profissional que procede  o ritual de acondicionamento do corpo .
O ritual estabelece uma estreita ligação de aproximação entre os que partem e os que ficam,mas mostra também o desprezo e preconceito que o NOUKAN sofre nessa atividade.


 O   seu chefe,diante da sua surpresa com o emprego explica-lhe que “ajudando a partir” na verdade foi um erro de grafia,deveria ter sido grafado como “ajudando os que partiram”   e que a  sua agencia era especializada nesse ritual de acondicionar os corpos dos mortos,antes da cremação. ou enterro. Noukan, significa acondicionar no caixão. Mesmo  surpreso com a atividade ele a aceita e passa a descobrir e conhecer os detalhes e  dificuldades que envolve a profissão.Ele conhece pessoas da cidade de Yamagata,como a senhora  da Casa de Banhos públicos, e o seu filho. A história exibe a sua estreita relação com a música, quando ele volta a tocar o seu violoncelo de criança, e podemos perceber a mágoa e ressentimentos guardados do seu pai,pois quando lhe ocorre as lembranças dele  o seu rosto aparece desfocado ,como se recusasse a aceitar a presença dele na sua vida,pela história da infidelidade e abandono por esse.
O filho da senhora da casa de banhos, sente vergonha dessa profissão e não permite que a sua mulher e a filha se aproximem dele,unicamente pelo fato der ser um Noukan,era como se fosse um “leproso” e chega até lhe dizer para procurar outro tipo de emprego.
Ele próprio se envergonha do que faz  e esconde da mulher o seu tipo de trabalho, até que ela descobre um vídeo sobre a sua atividade,fica enojada com as cenas  e também pede que troque de emprego.Passando a rejeitá-lo com nojo e desprezo e recusando-se a ser tocada por ele.Com  a sua recusa em trocar de emprego, ela o abandona.
Ele até tenta pedir demissão do emprego,mas o seu chefe lhe conta como entrou nessa profissão.A partir daí ele começa a desempenhar sozinho a  função de Noukan e cada vez se esmera mais  no que faz .
A sua mulher descobre que está grávida e volta  para aceitar e compreender o que é ser um Noukan,coisa que irá perceber mais profundamente quando falece a senhora da casa de banhos  e ele é encarregado de proceder  o acondicionamento de seu corpo, e  ela o  acompanha nesse procedimento onde vê todo o ritual e a forma que se dispensa ao ato.O próprio filho da Senhora da casa de banhos que antes o repudiava,passa a respeitar e ver a importância do seu trabalho e de como que ele é feito . Nessa cena também temos um frequentador assíduo da casa de banhos que é o responsável pelo forno que processa a cremação

O casal se reconcilia e ele lhe conta das suas lembranças de infância ao lhe dar uma “pedra” para ela guarde e que represente os sentimentos que os une,nela depositada.Ele explica que os antigos,antes da invenção da escrita,procuravam usar uma pedra que pudesse ser a depositária fiel de todos os seus sentimentos e lembranças e davam para os que amavam.Aqueles que recebiam esse símbolo podiam sentir toda a expressão do  seu amor  e desvelo. 

A sua mulher recebe uma carta com a notícia da morte de seu pai,inicialmente ele reluta em ir vê-lo,mas acaba convencido e vai até a outra cidade para realizar o Noukan  do seu pai para a partida e quando ele procedia ao acondicionamento,descobre, não mão do próprio pai, a pedra que eles haviam trocado quando criança.O pai lhe deu uma que ele guardou e ele ,em troca deu uma outra ao pai que a conservava na mão fechada.Nesse momento ele relembra o ato em que trocaram as pedras,na sua infância, e o  rosto pai se complementa em suas lembranças.


A simbologia presente nesse filme supera muitas expectativas,tornando-se necessário vê-lo além das imagens do filme em si mesmo e procurar mergulhar nas suas próprias lembranças familiares para extrair a ligação perene que existe entre vida e morte,duas faces da mesma moeda,onde cada passo,cada detalhe desse ritual demonstra o carinho e respeito por aquele que apenas se prepara para um novo nascimento,pois não é o fim que se exibe,mas se comemora com gratidão a presença e a representatividade desse que parte e as lacunas que deixam naqueles que ficam,onde de forma natural aceitam um fato incontornável  que muitos se distanciam por medo ,aqui se celebra com alegria o início de uma nova jornada,de um novo nascimento.
JATeixeira

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