terça-feira, 16 de junho de 2009

Filandeira


A minha Mãe


O amargo,das cascas da laranja,me vem a boca
Em uma dessas lembranças antigas, amigas;
Dessas que desemboca entre átrio e ventrículo
Pondo o sangue em alvoroço,em um grande rebuliço...

Numa tardia manifestação de amor e de desvelo.
Elas se me enroscam, todas, como num novelo,
De cujo nunca me desvencilho.

Lembro das laranjas tenras e grandes ,
Do sabor das especiarias e do amargo
Presentes naquele agridoce, de sabor tão raro
Que preparavas com tanto esmero
e eu saboreava, embora,mesmo quente,
Para mim era um caro e inolvidável presente
Naquelas tardes ensolaradas de janeiro

Lembranças guardadas da época em que fiavas
Tantas vezes e com tanto encanto aquele fuso.
Lembro, ainda ,aquele olhar longo e difuso
Absorta nas tuas lembranças distantes,
Ou quem sabe, pensavas no teu cavaleiro solitário e andante
Qual Maria a esperar no cais do porto.

A cadeira balançava estonteante, e ela
Olhava, com olhar de longa espera,
Se esgueirando ao ouvir um tropel que passa
Para ver quem ia naquela sela.
E eu ali sentado, calmo, por um átimo raro,
Tentava roubar tua atenção e jogava o fuso pro bichano
E esse girava, girava ...girava como um pião

Nas minhas noites insones ainda vejo
A solidez daquele fuso e fio
Que me ilumina como um pavio
De intensa luz, que brilha na escuridão.

E na língua, as papilas, em vã procura,
Busca desesperada e inútil, onde só restou a secura
Na boca, daquele agridoce da última percepção

Restaram as lembranças de sabor tão raro.
Ficaram os sensores que não se gastaram.
Permaneceram as alegrias que não findaram
Dessas lembranças indeléveis,no meu coração
JATeixeira

2 comentários:

Claude Bloc disse...

Ficou linda esta conversa literária com as lembranças entrecruzando saudades e retalhos de sonhos...

Abraço,

Claude

Jaques A Teixeira disse...

A flor de laranjeira despertou,em mim,antigas lembranças;guardadas,trancafiadas que nem sabia existir.
Merci
JAT