terça-feira, 19 de maio de 2015

Internet e a queda do Antigo






Nos hábitos cotidianos, Internet e as redes sociais supõem uma mudança de maior transcendência do que em sua época representou a máquina a vapor. Equivale as mudanças da Idade Média para Idade  Moderna em pouco mais de duas décadas

  
As pessoas, a proporção  que envelhecem, tende a comparar o mundo presente com a de sua própria juventude. “Quando eu era jovem…”. Em geral, uma realidade mais positiva do que a conhecida pela juventude atual: antes havia mais seriedade, mais consciência, mais educação, etcétera. E quando a evocação é negativa —a guerra, o pós-guerra, os rigores do sistema educativo de então—, o fato de tê-la superado a converte em um triunfo pessoal. O resto, não passa de curiosidades para amenizar a tarde, tanto mais chocantes quanto mais remotas: apenas havia carroças, o Atlântico só se cruzava em navios, etcétera. Curiosidades que tem sido alterado de geração em geração ao longo dos últimos 200 anos.

Claro que às vezes as mudanças são mais bruscas, e a isso responde a tradicional divisão da Historia em Idades.

Com tudo, no curso do século passado , essa sucessão de mudanças, essa constante evolução perfeccionista tanto no bem quanto no mau era parte da mesma. Havia um progresso social e econômico interrompido de vez em quando por uma revolução ou uma guerra, e a técnica não deixava de incrementar suas aplicações, desde o avião a jato até o ar condicionado ou o refrigerador. E  essa evolução nos âmbitos mais diversos era o que demonstrava os avós aos seus netos:as diferenças entre o ontem e o hoje. Fatos que hoje aos menores de 20 anos lhes parecem pouco menos que irrelevantes, simples aspectos desses mesmo antes mencionado. E isso , em pouco mais de duas décadas,a realidade circundante parece haver se diluído em seus contornos. As crises econômicas e financeiras se produzem quase sem saber como por mais que se lhes busque um referencial concreto. As guerras entre blocos tem acontecido ,os enfrentamentos entre milícias de difícil identificação. A classe obreira tem sido substituída por simples trabalhadores e os títulos universitários não tem feito senão perder destaque. Os Estados se assemelham cada vez mais a uma empresa e as empresas, a um Estado. Avançamos para um mundo fluido, de consistência turva, em contraposição  à firmeza dos blocos enfrentados tem somente pouco mais duas  décadas. Uma realidade em que a única referencia válida acaba por ser Internet. Só que a Rede, e em especial as redes sociais que propicia, não é o espelho em se reflete se visualiza essa mudanças ,senão uma realidade estreitamente ligada a origem de tais mudanças.

A diferença de outros inventos, a Rede estabelece uma relação íntima com o usuário

E de fato, a consolidação total da Internet e das redes sociais supõe, na vida e nos hábitos cotidianos, uma mudança de maior transcendência que em sua época  se supôs da máquina a vapor ou o motor a explosão ,na medida em que afeta diretamente a sociedade considerada e seu conjunto, individuo por individuo; na medida em que esse individuo interioriza seu uso de forma similar a como se pode assumir uma ideologia ou una crença religiosa. Algo não comparável, por exemplo, a ter um automóvel ou a viajar de trem, avião ou navio; nem sequer ao ato de dar a um interruptor e que se acenda uma luz, uma luz que ilumina o entorno mais imediato de quem a tenha acendido. O próprio da Rede é a sua capacidade de introduzir-se em todas as variáveis da vida do individuo, de cada individuo. E essa mudança, que por seu caráter generalizado produz nos hábitos sociais criando assim um antes e um depois, da origem a começar a pensar que talvez nos encontremos ante uma mudança  de Idade similar ao que se criou no Renascimento, no espaço entre a Idade Média e  Moderna.

A importância dos hábitos sociais, de uma mudança nesses comportamentos é, a este respeito, decisiva: quando se produz, na vida das pessoas é outra. E é que, relação a outros inventos, a Rede estabelece uma relação íntima com o usuário fato que, cada vez que este entra na Rede, seja para resolver um problema ou tirar uma dúvida ou quem sabe  por puro prazer , reciprocamente , ela entra no usuário tocando ou afetando seus pontos mais sensíveis, trazendo-lhe ou configurando-lhe  um caráter, um perfil —costumo dizer—, ao tempo que oferece aos outros, ao mundo intero, a possibilidade de que o conheça tal qual é ou como queria ser. Algo que não ocorre , como dizíamos, a quem  compra um novo automóvel, por ilusão que tenha  que conduzi  um modelo de tal marca; nem empreender um vôo intercontinental, para não falar do trem ou metrô . Para o usuário —e ainda que este não seja consciente disso—o mais estimulante em utilizar a Rede é a possibilidade de ser único.


O epicentro desse é o selfie ou, melhor dizendo,o intercambio de selfies. Uma postagem que  começa com o propósito exibir sua atividade cotidiana ao tempo que recebe as dos outros, termina compelindo a agir e tal qual ,sem nenhum outro objetivo senão expor esse intercâmbio de selfies

Assim, quando as férias, ao empreender uma viagem, o que menos importa é a viagem em si mesma, e sim , as peculiaridades dos lugares que se visita. O importante é poder ir mandando imagens dessas peculiaridades ou curiosidades as que vão se acendendo, de forma que as idéias engenhosas que as tais peculiaridades possam suscitar ainda que pouco ou nada tenham a ver com a viagem . Lugares ou monumentos famosos junto aos que se  fotografam. Ou as dificuldades  de um cruzeiro marítimo. Ou de um hotel dos sonhos em uma ilha paradisíaca. Ou de um imprevisto qualquer do mais chocante. Mais que o aproveitamento do fato em si,o que interessa é  o processo resultante da integração própria de um chat. O resto nada mais é do que uma obra de teatro:o cenário
O epicentro é o  de ‘selfies’, é a  postagem,é  a dar a conhecer a sua atividade cotidiana
A repercussão dessa mudança  radical nos hábitos sociais terminará afetando a todos os aspectos da vida cotidiana. No momento, os mais perceptíveis se revelam no âmbito mais midiático da realidade circundante. A imprensa, os livros, as salas de cinema. E então:Por que ir ao cinema, por exemplo? Ir até lá,submeter-se a filas ,comprar entrada , conseguir um lugar aceitável … Não é muito mais prático e fácil baixar o filme  ou alugar? E quanto a imprensa e os livros?Por que submeter-se a essa tarefa de ir passando páginas e mais páginas? Ou seja que se fechem cinemas e livrarias ,pois que se fechem!

Por sorte, desde a época dos papiros ao livro atual, a leitura, acompanhada as vezes da imagem, tem ultrapassado todas as Idades, adaptando-se sempre seu formato às características do momento. E o que nunca foi uma escolha majoritária ,permite-nos pensar que vai continuar subsistindo,a margem de tudo isso nessa versão digital.Por algo que é uma escolha ou afinidade minoritária.Como a caça o a pesca ou xadrez.Isso se quando se conte a uma criança como era o mundo há pouco mais de duas décadas não poderá entender o que as pessoas faziam sem a rede



Luis Goytisolo.

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